segunda-feira, 4 de junho de 2007

As Aventuras de Lord Westminster


Lord Westminster se propôs a desbravar a noite paulistana. Os companheiros de clube esbravejaram, salivaram ante o absurdo da idéia – um duque deixou cair o olho de vidro dentro de um copo de brandy que não lhe pertencia.


- Quê? Mas é perfeitamente concebível – Lord Westminster garantiu.


Loucura, disseram os outros. Agitaram bengalas no ar.


- Tonight, cavalheiros, we dine in hell – e, tendo ajeitado a cartola, Lord Westminster ganhou os perigos da Rua Augusta.



Sua primeira providência foi contratar Macondo, o menino-cigano.


- Você será meu pajem – Lord Westminster garbosamente pousou uma mão no ombro do garoto.


- O que isso quer dizer?


- Carregue minhas coisas.


Lord Westminster e seu pajem percorreram todas as boates da região. Macondo fora encarregado de anotar as peculiaridades de cada espécime selvagem que cruzasse o caminho dos dois. Como não sabia escrever, Macondo preencheu páginas e mais páginas com desenhos.


Lord Westminster os exibiu aos colegas de clube. Os senhores cavalheiros exclamaram horrorizados. Sir Godfrey, um homem que cruzara a Índia montado nas costas de um elefante, disse jamais ter visto algo igual.


- Westminster arrisca-se demais...


- Loucura...


- Dado a atos de excentricidade...


- Uma versão mais doentia do próprio pai...


Macondo encontrou Lord Westminster sentado numa poltrona de couro, fumando seu cachimbo. Westminster sorriu:


- Ah, Macondito, que sucesso seus desenhos fizeram! Estou até mesmo pensando em lhe arranjar uma vaga aqui no clube, então talvez você...


- Quero um aumento.


Houve uma pausa. Westminster grunhiu:


- A criadagem...


Lord Westminster voltou da segunda expedição, um mês depois, com roupas rasgadas e uma barba desgrenhada. Causou profunda admiração em seus colegas. Exibiu, com orgulho, a cicatriz que ganhara de um leão de chácara.


- Mais de dois metros, a criatura.


- Impressionante – exclamou Sir Godfrey, examinando o ferimento de perto.


Macondo passou o dia desenhando. Mantinha uma coleção de cadernos na bolsa de carteiro que Lord Westminster lhe comprara. O duque de olho de vidro, espiando sorrateiramente o trabalho do menino, admirou-se com a combinação de cores, com a fluidez (“Com a o quê?”, Lord Westminster perguntaria mais tarde) do desenho. Decidiu contratar Macondo para projetar o cassino que pretendia construir no piso inferior de sua mansão.


- Mas não pode roubar meu pajem – Lord Westminster protestou.


- Macondo já é um garoto crescido.


- Tem doze anos.


- Ele pode tomar suas próprias decisões. Macondo?


- Macondito?


Macondo ponderou com cuidado a situação. Continuar desperdiçando seu talento sob mesas de boates, camuflado com Lord Westminster e uma espingarda, não parecia o caminho apropriado para o futuro glorioso que sua mãe vira nas cartas.


- Lord Westminster, o senhor me ensinou tudo o que sei... – Macondo começou.


Lord Westminster cobriu dramaticamente o rosto com a mão enluvada.


- Não diga mais nada – Lord Westminster murmurou. – Vá, Lancelote, seu traidor.



Quando os senhores cavalheiros acreditavam ter passado a determinação febril do colega, Lord Westminster surpreendeu-os com uma outra revolução: propôs-se a enfrentar a noite carioca.


- Nenhum louco que persistiu conseguiu voltar, Willy.


- Eu, cavalheiros, senhores colegas, sou um homem de palavra. E não se diz noite; é night.


Os cavalheiros não lhe deram crédito. Na manhã seguinte, porém, Lord Westminster os reuniu fora do clube. Apresentou-lhes seu magnífico balão, herança da família.


Um dos colegas desmaiou.


- Por Deus, Westminster. Procure outra coisa para fazer, arranje uma noiva, mas não prossiga.


- Senhores, ainda que eu não volte, viverei para sempre. É este o objetivo de Wilbur Westminster, desbravar o mundo hostil e selvagem em que vivemos.


Lord Westminster subiu no balão. Vestia suas melhores roupas.


- E digam a Macondo que eu o perdôo.


Os cavalheiros acompanharam o balão subir e subir, até tornar-se um pontinho colorido sobre a Avenida Paulista, até dissolver-se lentamente no céu poluído. Mesmo quando já não podiam vê-lo, continuaram acenando.

5 comentários:

Ricardo de Brito disse...

"Extreme Westminster Action!"
- The Folks

"Amazes from the very beginning to the non-ending scene. Tearful Macondo, hot-puff-ballon-steam!"
- Herald's Manlyhood

"That was not a band?"
- The the

"The ultimate proof that M&M blue packs doesn't exists in Brazil."
- Conceptional Contraption

Camila Mamede disse...

Sen-sa-ci-o-nal.

You had me com a foto do logo da New Yorker, mas "Agitaram bengalas no ar" foi igualmente genial.

Esse post vou imprimir e guardar num caderno; Daqui a 20 anos vendo como um de seus escritos mais originais.

Boquiaberta.

Camila Mamede disse...

Ou seria sen-sa-cio-nal?

Either ways, that's what it is.

Clara Madrigano disse...

Lord Westminster (o que restou de) agradece.

Anna disse...

O detalhe do Macondo se chamar, well, Macondo, me agradou bastante :)